quinta-feira, 31 de outubro de 2013

TB #5

Como vai a sua empresa, essa espelunca que você chama de eu? Mostre-me o balancete, como estão as ações? Quero acesso irrestritos aos livros. Verei tudo, tintim por tintim. 


Da última vez que abri seus jornais, fiquei horrorizada, tamanha era a falta de gestão. Praticamente todos os setores mais importantes estão em baixa. A única coisa que não caiu foi a sua competência de rir da própria desgraça.



O orçamento, abaixo do esperado, como sempre. A saúde da empresa vai de mal a pior. A visão dos acionistas, oscilante. O mercado está um caos. O capital de risco, cada vez mais ambicioso... Pelo menos a poupança está crescendo. E parece que a aquisição dessa marca de café vai dar bons frutos.



Dia desses perguntei a um funcionário do baixo escalão como era trabalhar na empresa. Ele disse que era um lugar divertido, mas que não fazia ideia do futuro da empresa. Engraçado. Fiz a mesma pergunta para os diretores e a resposta não foi tão diferente. 



Mas o que me chamou mais a atenção foi o aparato na entrada da sede. Uma fonte de pedras com velas, incensos, uma flor e um altar. As mais diferentes imagens, das mais diversas religiões. A qual todos os funcionários reverenciam ao chegarem no serviço. Apesar dos fatores de risco, parece haver um consenso. Uma fé na prosperidade do negócio.



O clamor das ruas torce a favor. Os valores e a cultura organizacional estão em transição, assim como alguns membros da diretoria. Mas tudo não passa de burburinho de elevador. Oficialmente, nada ainda foi declarado.


quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Chuvas e trovoadas

Como um chamado que vem de dentro
No eterno instante de encontro
Do tornado que vem de fora

Mary Whois

Influenciável
Maria vai com as outras
E não diz pra ninguém
Aonde vai

Uns a chamam de autista
Ela acredita, fica out
Outros de indigo
Ela não entende nada

Alguns acham normal
Essa coisa toda
Ela discorda

E se fosse somente ela mesma
Apenas Maria
Chata, comum, ordinária

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Ora somos todos nós

Horas são subjetivas
Orações, o oposto
Mas ora, são ambas
Subjetivas também

Não tenho hora
Nem ouro. Tampouco oro
Sou objetivo e crio
O objeto direto ao ponto

Superlativo das galáxias
Apositivo, subliminar 
Lendo nas entrelinhas
Das orações descoordenadas

De loucura, insensatez
Subordinada a vaidade de ser 
Sujeito indeterminado
De uma oração desconjuntada


segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A você sabe quem

Das vinte mil vozes
Que ecoam descoordenadas
O canto coral

A sua se nota
pelo ronronar sibilado
De rouca canção

Sotaque mineiro
Aqui é maneiro e bão
Um trem na estação

Medo de rotina

A rotina 
Te deixou
Menina

Intacta
A retina

Chata
Prática
perfumada

Com bolas
De naftalina

sábado, 26 de outubro de 2013

Status quo

Minha vida é boa
Encontrar em todo mestre
Também a pessoa

Na verdade é média
Mas tem amor, ideia e
Toda aquela festa

Dá pra ser melhor
Um quase quase qualquer 
Viola e mulher

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O momento de se calar

Hoje é o dia do falo
Não do fico de Pedro
Nem do falo de Freud
Mas do grito da voz

É o dia de voltar a me atrever
Do poder de me expressar
Não do tentar me explicar
Mas do fato de falar sem querer

Das coisas que optei por ignorar
Já cansado de ser ignorado
Hoje é o dia, eu falo
E penso em tudo que quero falar

Arrumando cada palavra em seu lugar
Para, após o rompante
Novamente me calar
Hoje, como um dia qualquer

Calo-me e me entrego à mulher
Fingindo-me ouvir o que ela quiser
Hoje talvez, não seja o melhor dia
Vai ser muita gritaria. Amanhã talvez.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Que horas são?

Faltam quarenta minutos
Menos uma hora
Do horário
De verão
Sobram
Vinte.

TB #4

Eu fiz um chimarrão pra você, gostosa. Tô tomando sozinho. Vem logo pra minha cama. E aproveita, traz cigarros. Só tenho mais dois.

Esquece essa preguiça, me lambuza de você. Inflama em brasa, me esquenta. Vem me fazer maior, me transborda em suor. Molha a minha cama e suja meus lençóis. Não me importo. 

Me dá um nó, chave de perna, montada, raspagem... passa a minha guarda, faz o que quiser comigo. Eu aguento. Vem e me excita, me exercita. Já é a terceira vez que essa música toca e você não vem com o seu playlist pra mudar meus batimentos.

Aproveita e dança comigo, o nosso pas-de-deux que só você sabe fazer. E você sabe que eu sei melhor do que ninguém. Ninguém conhece você como eu, te quer mais feliz que eu. Eu posso fazer aquele macarrão que você adora e amanhã te deixo em casa. Ou eu vou praí. Chego em vinte.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O sumo

Pra fazer um suco
Primeiramente terá
Que pegar o fruto

O que somos: todos nós

Eu sou
Estava escrito
Ao abrir o caderno
E me fez pensar

O quão insoluvelmente
Abstrato
É ser alguém
Alguma coisa de fato

Enquanto que, se capto
O instante porta-retrato
É porção maior de tempo
Que o falar que é

Eu sou na sua língua
Sai sempre atrasado
Melhor não dizer
E contentar-se em ser

Eu, malandro que sou
Não digo a que vim
Só o que ainda me ligo em dizer
É vou bem, e você, pra lá e pra cá

Vai saber quem sou
Eu que não sei de ninguém
Sei ainda menos sobre mim
Mas sigo contente, ainda assim

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Êxodo urbano

Como um leve e elegante elefante
Piso a terra dos meus antepassados
Que muito plantaram de produtivo

O solo porém, ficou árido
O fervilhante fertilizante deixou
Zangada areia e terra, mato e mata

Agora a terra é minha
E andarei como um elefante
que caminha deixando esterco

No esterco, sementes
Somente as fortes
Resistirão ao mal cheiro

E florescerão, mirando o sol
Subindo aos céus, descendo ao sal
Para cima, para baixo, para os lados

Crescerão em progressão geométrica
Sem métrica, sem lógica, e em pouco tempo
A terra muda gritará agradecida

domingo, 20 de outubro de 2013

TB #3

Esqueceu-se da própria idade. Encantou-se com um amor que tinha apenas a metade. Saíram ambos cantando pela cidade, gritando a plenos pulmões, como era bom amar. Com o clamar das ilusões, os sufocantes corações pulavam e corriam de alegria, para o abraço que os juntaria pra sempre. 

A comunhão da cumplicidade criaria laços fantasiados de elos. Ambos enganados quanto a forma, formavam uma aliança de alelos paralelos que os envolvia no edredom daquele abraço.

Aprenderam muito sobre si mesmos naquele abraço, um com o outro. Estavam conectados. Eram cúmplices de seus defeitos. 

Começavam a adquirir um o defeito do outro. Um amigo já me havia dito: "é no relacionamento que o homem enfrenta o seu maior momento e seus vários demônios, provando-se em prova de seu imenso valor". 

E assim ficaram, naquele abraço, pra sempre, até não haver mais separação. Até que a união do abraço se liquefizesse em mutua mutação, incorporação de corpos. Estavam hermeticamente e eternamente homogêneos.


sábado, 19 de outubro de 2013

Centenário de Vinícius

Feias, me perdoem
Beleza é fundamental
Dizia Vinícius

Landscape

A pálpebra veste 
O olho vermelho
Irriga, transborda 
Em cachoeira-gota
Desliza a lágrima 
Se joga toda
Pela maçã
Seca em vala lacrimal

A mão esconde o jogo
Esconde o fogo
Brisa no litoral
Efeito colateral
Do beijo
De boa noite

A calmaria canta
Curiosa cantarola
A cultura noturna
Da lua cheia

O medo uiva
No canal aberto
Onde pisam barcos
E passeiam velas

Pela janela
Insetos passeiam
Distraídos com a luz
Lagartixa chega
Devagar
E beija
E come
E foge
A lua 
Na água
É luz

Sobre fuga e saudade

Teto
Parede
Prateleira
Gaiola
Passarinho
Vê la fora
Chora
Do lado
De dentro
Não canta
Lamenta
Mais um dia
Será que aguenta?
Vê uma brecha
Vai embora
A dona olha
Lamenta
Chora
E também
Vai embora
Tem palpite
Deixa alpiste
Na gaiola
Vai que volta

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Coração voyeur

Ela já não me suporta mais
Diz que eu não sou bom rapaz
Diz que eu dou passos pra traz
E que eu me dei por vencido
Livro lido e esquecido
Na estante da preguiça
Como um treco que enguiça
Perdendo sua função
Que não vale o meu reparo
Que não tem mais solução
Me perdoe a autoridade
Mas você não tem idade
Pra me dar essa lição
Ela só mudou o penteado
O seu corpo tá fechado
Sua mente é só fachada
Em seu peito um cadeado
Tranca dentro de si mesma
A chave que emperra
O elogio atravessado
Nada entra nem se vê
No buraco da fechadura
Língua mole em armadura
Tanto mata como cura

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Ao dia do mestre

O pouco orçamento
Pra educação do país
É muito lamento

TB #2

Encontrou-se com os amigos para uma noite de poker, cerveja e videogame. Era um sábado de tarde nublada, daqueles que ou você se enfia embaixo do edredom ou vai à luta. Típico sábado de tudo ou nada. Aqueles sábados que dizem: divirta-se, que daqui a pouco é domingo.

Naquele momento, não havia programa melhor que aquele. E tinha certeza que iria se divertir. Foi com tudo. Deu seus 100%. Como era de costume, foi arriscar sua sorte. All in. High stakes under the gun.

Perdeu duas vezes no poker, as duas com par de ases. Muito azar pra uma noite só. Depois perdeu no videogame e logo desistiu. Não era o seu jogo. Perdeu pra cerveja e depois pro vinho. Não era muito de beber. Tinha o estômago fraco. No entanto ganhou a noite. Estava com seus amigos, divertiu-se e não tinha mais dinheiro algum.

Estava com a moral em alta e o bolso vazio. Foi pra casa, tomou um banho demorado, arrumou-se e partiu pra noitada. E que noite florida. Casa cheia, mulheres, amigos... Mirou logo na mais bonita, a mais cobiçada. Tinha certeza que iria levar um fora. Dito e feito. Mas depois disso, não se intimidou com nenhuma outra. Era Deus. Podia tudo. Era um demônio e queria tudo. Ô sorte. Foi com tudo então. Dormiu numa casa, acordou em outra, dormiu mais um pouco e ligou a tv. Fantástico.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Soprei no seu ouvido

Poesia é vento
Que venta no pé do ouvido
E arrasta a caneta

TB #1

Ele sentia-se como um rato de laboratório. Tinha a certeza de que estava sendo estudado, observado. Então não teve outra saída a não ser encarnar o personagem que a tanto tempo havia omitido. Ele mesmo.

Já nem se lembrava de como era. Não sabia quais eram seus medos, seus sonhos, sua missão. Sabia apenas que sua zona de conforto era muito confortável. Queria ganhar o mundo e queria que o mundo inteiro ganhasse por ele. Esquecido que era, fazia tanta coisa ao mesmo tempo que à noite nem se lembrava do que havia feito. Já tinha amado tantas coisas e de tantas formas diferentes que não se lembrou do que realmente gostava. Não sabia o que era realmente importante em sua vida. 

Como não tinha sonhos, saía às ruas perguntando pra pessoas aleatórias quais eram os seus. Se tivesse perguntado a seus pais, talvez tivesse uma vaga ideia. Mas ao invés disso recorreu aos amigos. E seus melhores amigos não diziam nada. Ele também não perguntava. Não por vergonha, mas porque entre eles não havia muito o que conversar. O silêncio dizia tudo. Maldito silêncio. Ou bendito. Nunca se sabe.

O problema de não saber os próprios sonhos, é que junto a isso não sabia o que era necessário para atingi-los. Dizem que dinheiro compra sonhos. E como não tinha sonhos, não precisava ter dinheiro também. O sonho dos outros era muito caro. O dele, não tinha preço. Então continuou, no mesmo lugar, com o mesmo sonho, que somente ele sabia, mas que não fazia ideia.

Noite feliz

Sentou 
Admirou seu rebanho
Teve orgulho do que havia 
Conquistado com suor 

Numa mão 
O cajado de patrão
Na outra
Um presente

Diferente do sempre
Ambos doutor-paciente
Auscultaram-se ao luar

Noite fria, mente quente
Ouvia-se o ranger dos dentes
E o presente, ali parado

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Ariel

E então, de repente, deparo-me com a mais linda donzela de minha vil ilusão errante. Vestia flamejante cabelo rubro, olhos verde-água e um magnífico, bronzeado celeste corpo, coberto apenas por sutiã e cauda. Olhar e pausa. E em cada canto que olhava, nem uma apenas testemunha acompanhava seus gestos chamando ninguém além de mim. Era inacreditável. Caso não fosse sonho, juraria, tão medonho, que fosse realidade.

Nadamos e brincamos juntos. Sozinhos. Eu, ela e os golfinhos. E enquanto a tarde caía e o sol se punha no horizonte, aos montes se amontoavam milhões de micro-peixes a perturbar nosso momento. Sento-me e lhe sento em meu colo. Colo meus braços em sua cintura e pinto a costura de suas orelhas com água e cuspe.

Mordo as esquinas de seu pescoço, te aperto os seios, te excito ao pé do ouvido, como suspiro, seguido de beijo-calafrio. Abro lentamente o zíper de suas nadadeiras, mas suas mãos hesitantes indicam ainda ser cedo a derradeira – ou talvez que não fosse ali o lugar ideal. Pega meu braço e sai em disparada. Diz querer me mostrar os lugares mais belos da costa mineira, a começar pela praia do sonhador.

Em seu sotaque paulista, quase todas as palavras viravam uma linda melodia. Mas “sonhador” não era uma delas. Sonhadorrrrr. Solto uma risada tão alta que fez inflar até o baiacu que ali passava. Ela sacaneia de volta, zoando o meu carioquês cheio de xis. E assim, zombeteiramente, nadamos até nosso primeiro destino.

Até que era bonita a tal praia do sonhadorrrr, mas pra quem costuma curtir a Restinga da Marambaia e Grumari não tinha nada de mais. Ficamos um pouco, andamos de banana boat e fomos embora. Já estávamos com fome quando ela sugeriu o Siri Cascudo.

Sanduíche com o Bob Esponja.

Topei na hora. Nunca pensei que fosse conhecer tal bichinho amarelo de voz esganiçada e calças quadradas. Não via a hora – literalmente. Meu relógio não aguentara a pressão e parara de funcionar desde antes da praia, lá pelas 16h20. Enfim, chegamos e fomos muito bem recebidos pelo Bob. Que aprazível sujeito apresentou a ponta e disse que havia ganhado um trailer no Lata Velha e que estava economizando grana para fazer sua própria lanchonete. Disse-lhe que deveria chamar Bob’s, mas ele achou o nome idiota. Perguntei sobre o Patrick e ele disse estar numa clínica de reabilitação, mas não quis entrar em detalhes. Deve ter sido cocaína. Quase sempre é.

O encontro foi bacana, mas o sanduíche deixou a desejar. A carne era muito salgada e o pão ensopado. O que salvou foi a sobremesa: sorvete de campari com calda de caramelo. Fiquei bêbado e com vontade de trepar. Perguntei a ela se havia um lugar. E então conheci o matadouro.

Uma caverna subaquática a uns 900 metros dali. A chave da porta secreta era uma pedra no meio do caminho que quase me fez tropeçar. Mantive-me ereto e me pus à vontade em seu aposento. Não havia muita coisa além dos badulaques de qualquer sereia: espelho, pente, gaita, blush... e uma cama king size com direito a espelho no teto e pole dance. Aparentemente a minha sereia era safadinha. Transamos muito, durante muitas horas, até esgotarmos nossas forças.

Após um breve cochilo, ela me acorda com o sorriso cheio e o estômago vazio. Diz que quer comer um linguado. Eu acho graça e falo que comerei uma lagosta. Rimos e rumamos ao restaurante, onde, pra minha surpresa, ela realmente pede o peixe. Como a lagosta era muito cara, acabo pedindo apenas dois Temakis. Era um restaurante delicioso e ficamos conversando por horas sobre política, filosofia, teologia. Biologia. Muita química... saímos apenas por causa da fumaça. É incrível como as pessoas fumam e falam fumando no fundo do mar.

Que encontro maravilhoso, que teimosia em persistir maravilhoso por tanto tempo. Começava a me preocupar, achando que nunca mais iria embora. E se fosse? Como faria para encontrá-la depois? Não existe facebook no fundo do mar. Era a pessoa mais incrível que eu jamais conhecera. Dava vontade de abandonar a vida terrestre e morar pra sempre em sua saleta, com seus pente, espelho, gaita e blush. Completamente absorto por toda aquela fantasia, decido ficar mais um dia no mar. Deixaria para depois a decisão sobre o meu futuro. Deixaria por estar o estado que fosse.

Na manhã seguinte uma carta em seu criado mudo, embaixo da gaita, chama a atenção. Ela tem o meu nome impresso em tinta vermelha e, no verso do envelope, uma única marca: uma minhoca presa a um anzol e um pedaço de linha. Que seria isso, eu indago. E, meio sem jeito, sem querer acordar minha futura ex-namorada, adormecida em meu colo, Alcanço a correspondência.

O remetente chamava-se Tritão e aparentemente era meu sogro. Solicitava um encontro para o desjejum. Queria acertar os detalhes do casamento. Não sei aonde eu estava com as cabeças nessa hora, mas lembro ter ficado feliz com a carta. Decisões importantes nunca foram meu forte e o fato de uma decisão dessa magnitude ter sido tomada por mim me deixava muito feliz e aliviado. Iria me casar com uma sereia. Mas antes precisaria conhecer seus pais e eu precisava de um banho. Sentia meu corpo salgado e melado de suor. O mar com certeza fazia muito mal à minha pele.

Quando a minha submersa princesa acorda, fica sem graça e diz que não existem chuveiros embaixo d’água. Mas que sua falecida avó tinha um navio e que eu poderia tomar banho lá. Era um cargueiro europeu, com bandeira espanhola, cheio de contêineres contendo cantis e carabinas para as tropas brasileiras. O comandante era um sujeito engraçado, chamado Saulo, que estava sempre chapado pois consumia boa parte do seu contrabando de drogas que levava do Panamá para o Pará.

Tomo um banho que ela toma comigo, transamos novamente e morgamos na cabine. Após o descanso, colocamos uma roupa e saímos. Como estava sem camisas ou calças limpas, acabo vestindo as vestes de seu último vilão, namoro passageiro daqueles que deixam corpos no chão.

Na saída da cabine topamos com ninguém mais, ninguém menos, que Pirlo e Ronaldo ‘fenômeno’. Estavam conversando sobre opções de ações futuras. Quem iria imaginar. Acabam parando para falar conosco. Aparentemente Pirlo e Ariel são velhos amigos.

Devoramos sanduíches e então somos surpreendidos por uma conhecida em comum que fica muito feliz ao nos ver juntos, ali no deck. Fumava um beque apreciando a vista e acompanhando o solene cair do sol costurado por um zíper de gaivotas voadoras que em V planavam. Ofereceu-nos, graças a Jah e, agradecidos, entorpecemo-nos.

Despedimo-nos e mergulhamos. Iria conhecer o sogro. Não queria, imaginava que não agradaria, ainda mais de olhos vermelhos. Mas a salina solução do fundo do mar hidratou minhas dilatadas pupilas cor de fogo. Nadamos, nadamos, nadamos, até que chegamos.

Quase não acreditei quando ao longe avistei uma enorme festa para a minha recepção. Todos reunidos saudando a nossa chegada, empolgados com o casório. Decoração top, guloseimas, dançarinas de hula bailando em uníssono... muitas velas e cigarros acesos. É impressionante como as pessoas fumam debaixo d’água. Finalmente sou apresentado ao sogrão, destemido rei dos mares.

Não se parecia nem um pouco com a personificação de Walt Disney. Muito pelo contrário. Era careca, gordo, baixinho... mais parecia uma mistura de Buda com Mestre dos Magos. Muito simpático, me apresentou seus amigos e familiares, entregou-me uma bacia de coco com uma bebida esquisita dentro, e ordenou que as bailarinas encenassem um número que haviam feito especialmente para a minha visita. Ofereceu-me um baseado também. Aparentemente todo mundo fuma nos meus sonhos. Mas dessa vez não aceitei. Não queria que ele soubesse quem eu realmente era. Meu personagem bom moço era mais interessante e apropriado para o momento.


Rimos, brincamos, curtimos e ao final da festa rumamos de volta para nossa cabine no navio da vovó. Estávamos tão cheios de tesão que transamos até não sabermos mais que dia era. O hoje era qualquer dia, o ontem não existia e o amanhã pouco importava. E como roncava a minha sereia. Quem vê não diz, mas eu vi, ouvi e mal acreditei, mas até que era bonito o seu ronronar. Esses encantos de sereia, que nem canto de baleia, tudo que era som era lindo também. Adormeci e então acordei. Molhado.

domingo, 13 de outubro de 2013

Inverso

Não sambe
Não sonhe
Não planeje
Não se finja de bobo
Não sinta
Não seja sincero
Não imagine
Decepcione-se
Você não é importante
Você é importante?
Minta, seja diferente e independente
Alguém é independente nessa vida?
E talvez o menos importante.
Você é feliz?

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Cinemática

Raffael Massena

Eu sonho
Até mesmo
Em sonho
Como uma
Foto dentro
De uma
Outra foto
Quantas
fotos cabem
Dentro de 
Uma foto
Qual o limite
Do sonho
O homem
Já foi
A lua
O céu
É pouco
O mar
Infinito
Apenas
Quando
Tem
Porto


*"Cinemática (do grego κινημα, movimento) é o ramo da física 
que se ocupa da descrição dos movimentos dos corpos, 
sem se preocupar com a análise de suas causas"
-wikipedia

Diago.now

Raffael Massena

Agora é um ponto na diagonal
É quase uma vírgula de tão escorregadio

Agora nunca interroga
Pois não precisa de respostas

Agora também não exclama
Para tanto não há motivos pra se exaltar
Nada além do agora

Não é reticencias
Posto que não se apega

Tampouco perde tempo 
Pendendo entre dois pontos

Agora é simplesmente agora
Mas só enquanto a outra sentença não começa
Em cada oração, um agora passado

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Para Maria Helena Mendes Braga e sua neta

Conta-me tuas estórias
Das tuas lágrimas de melancolia
Dos antepassados e de suas glórias
De suas experiências com o Sudarshan Kriya

O negro manto em teus olhos
Parece lhe desenturvar a visão
Dando-lhe lentes, colírios, óculos
Caleidoscópios de tua meditação

Invertem-se os trópicos de um tocar utópico
Encadeando acordes num formato lógico
Da valsa pra Elisa, bem devagarinho

Sapateiam unhas, saltitando os dedos
Agarrada às pernas, arrepiados pelos
Ouves melhor se há burburinho.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Triplo hai kai carpado - yey! :)

A noite bela
Esconde as nuas rajadas
De vento e janela

Raios de mãos dadas
Colorindo a mais singela
De todas as fadas

Adentram o apê
Eles já sabem por que
Ignoram-lhe as falas

Uma carta para Thiago Campos

Ontem pensei tanto em você
Que minha saudade te fez uma visita.
Ontem eu precisei só de você.
E como havia de ser, você estava lá.

Ontem tudo o que eu queria era te ver, 
Ouvir suas doces palavras,
Sentir você mais perto
Ainda que distante.

E apesar de sua partida antecipada,
Lá estava o seu perfil a me acalmar.
Conversamos.
Apesar de só eu ter falado.

Rimos juntos, cada um do seu lado.
Brincamos. Pelo menos, eu achei graça.
Obrigado pela companhia que você me fez.
É bom saber que você esteve lá ontem,

Que está aqui hoje
E que amanhã também estará,
Sua mãe deve achar mórbido
O simples fato de você ainda estar.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Um brinde à minha dor

Olha que amor burro o meu, 
Que apesar de se rasgar de vontade, 
Já não consegue suportar a presença do seu. 
Será que todo amor é burro ou só o meu?

Não consigo nem olhar aquele par de olhos 
Que sempre me passaram tanta verdade. 
Fico me contorcendo, chorando a saudade 
De uma paixão que me arrepia de tanto medo. 

Perdeu-se o tempero, o calor, a coragem. 
Maldito amor covarde que perdeu a viagem e agora, 
Sentado na estação da vida, espera pelo próximo trem 
Que o leve mais longe ainda de onde deveria ir. 

Estaria melhor se começasse a rir da própria desgraça, 
Mas coração que se estilhaça demora a se refazer.
Maldito amor que amargurou meus versos sempre tão cheios de luz.
Maldita luz que se apagou antes que eu terminasse minha poesia.

Maldita a poesia que faço pra dar voz a esse louco coração,
Que ficou rouco ao ver os seus passos te afastarem de mim.
E foi assim que eu aceitei a maldição lançada aquele dia:
Daqui pra frente, seu sorriso virará melancolia,

Suas verdades serão inimigas da sua alforria.
Serás escravo de todas as boas lembranças
Enquanto as crianças te farão chorar copiosamente
Afugentando da mente os motivos da separação.

Somente quando aceitares sua própria impunidade
Lembrará que ainda pulsa no peito o coração.
Hoje, num hiato entre a dor e a esperança, 
Volta à face o rubor e a vontade.

E a criança da cidade brinca aos montes, 
Incansável, sem temer o amanhã.
Brinda à vida, às paisagens, à saúde da irmã 
E aos amores que ainda estão por vir.

Pois a vida do poeta promete 
E não finda por aqui.
Sabe claramente que cada tombo é um aprendizado
E que se fortalece quando sara o machucado.

Assim por dizer, 
Em resposta à pergunta: como vai?
A resposta, mais que óbvia: 
Muito bem, obrigado.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Sentimento criança

A paixão é um
Sentimento adolescente
Que nunca envelhece

Aos meus vícios com carinho

Vício é perda de escolha.
É sabor e pesar em perfeita harmonia
É viver dia após dia
Esperando a dose diária que o encolha
A uma fração do que costumava ser.

Vício é perda de vida.
É o bom que antecipa o mal que acarreta
Como um tridente que coça, espeta
E corrói a alma de forma atrevida
Até desaparecer

Vício é igual a dependência.
É quando precisamos de maneira tão forte
De algo ou de alguém que, em sua essência,
Apesar de definir a nossa vida ou morte,
Não é tão importante.

Vício é um valor mal atribuído
A um ser ou substância.
É um desdém da nossa própria arrogância
Em julgar por vencido
O poder de um gigante.

Todo vício é uma luta
Do que se quer contra o que se deve.
De um lado o desejo que se atreve.
Do outro a nossa força bruta
Que de vontade não tem nada.

Porque todo vício é bom.
Ele não viciaria se fosse ruim.
É tão forte a boca querer dizer sim
Que o corpo não consegue emitir outro som
E segue em seu ciclo de forma inalterada.

Não é todo vício que mata
Nem todo viciado morre no final.
Mas é certo que todo vício é prejudicial
E antecede a dependência que maltrata
E leva à loucura.

Hoje, louco e abatido, já não luto mais.
Vivo com meu vício lado a lado
E não me afasto. Sou completamente apaixonado.
Quando chegarem meus momentos finais
Estarei resignado, sem armadura

A esperar pelo último beijo.
A dar meu último suspiro, meu último trago.
Pois o bom viciado rejeita a cura e o afago.

Ele pinta com sangue o azulejo
E assume a responsabilidade de ser viciado,
eximindo de culpa o vício amado.

Mentira! Todo viciado traz consigo
Uma fagulha de esperança
De pelo vício ser perdoado.

domingo, 6 de outubro de 2013

Ao pó de poesia

Raffael Massena

Quando meu café ficar pronto
Nunca mais voltarei aqui
Pagarei a conta, deixarei gorjeta

Direi adeus aos amigos
E aonde me encontrar
Estarei com meu café

Seremos apenas café e eu
Com o cheiro de pó de poesia
Gravado em papel de pão

sábado, 5 de outubro de 2013

Uno universo

Queria ganhar o mundo
E queria que o mundo todo
Ganhasse também

Era um idealista só 
Não sabia que o mundo 
Tinha ideias também

Começou a mudar
Mudou o ar
E o ar mudou também

Quando cansou, descansou
E pareceu que o mundo todo
Descansava também.

Gratidão #1

Raffael Massena

Disso tudo que construí
Muito pouco eu vi
De nada usufruí
Quando ali cheguei
Não era nada
Quando dali sair
Nada será

Meu trabalho não terá valido nada
Então um nada me sentirei
Se ao menos colocassem meu lugar
Mas que nada. Pra mim, nada
Não sou bispo nem cavalo
Muito menos rei
Sou peão, sujo de areia suja, cimento

Nem eu me aguento
Com o cheiro que chega
Quando eu chego em casa

Ainda assim sou bem recebido
Com beijos, afagos e um convite
Bem que estava precisando de um bom banho

Consolação

Do assento 
Sobe um vento
Pum

Do lamento
Desce um pingo
Sal

O assento lamenta
O pum

O lamento assenta e
Tchau

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Sob sol e céu

Raffael Massena

A vista tão bela
Do telhado de tijolo
Só se vê favela

If only whatever

Por mais que o meu amor te incomode 
Irei continuar
Por mais tristes que sejam seus sorrisos
Por mais vazio que seja seu olhar
Eu vou continuar
Não há nada que haja aí 
Que não exista 
Em qualquer outro lugar
Ainda assim 
Irei continuar.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Do que não vai embora

Raffael Massena
     Tenho saudade daquele tempo em que ficávamos os três sentados na nossa praça particular. Quando um levantava, perdia o lugar. Pois a pequena estava sempre por ali. Muito ríamos com Bob Esponja e Peixonauta naquela época. E vivíamos com fome. Mas raramente alguém tomava alguma providência. A televisão sempre ligada e a gente nem ligava. Só queria ouvir o som que tocava no iPod, na sala. Éramos três e meio, e mais dois gatos que sempre vinham nos receber. O apê era nosso e era um palácio. Ser feliz naqueles tempos era muito, mas muito fácil. E os laços que se formaram, desses eu não desfaço. 

Admiração prostituta

À noite, posto-me a escrever,
Censurado pelo cansaço do dia trabalhado.
A tampa da Bic no lábio diz tudo: sem palavras.
E fingindo diamante lapidado
Mantenho a escrita num falso saber.

A noite para só pra te ver
Dando duro, hora extra em turno dobrado.
O vermelho no lábio diz tudo, também sem palavras.
E fingindo de amante ao convidado
Mantém-se obstante ao seu jeito de ser.

Somente perto

Rafael Massena

Da janela vê-se
Corcovado e Redentor
Mas não esses peixes.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Soneto ao sol solene

Bem vindo, sol, a derramar sobre nós sua luz,
Abençoando a divindade individual dos endividados.
Bem vinda a chama e o calor que nos produz
Que beija ardida a saliva dos sorrisos amarelados.

Que sejam bem vindos o manto dourado de sua esfera,
Cuja espera nos mantém inertes na escuridão,
E sua força inexplicável, resiliente e austera
Que nos gravita e escraviza de verão a verão.

Quem és tu, grande astro do universo,
Se em tua presença meu sentimento é o inverso,
E não me apequeno diante de tal grandeza?

Desafio-te a provar seus antecedentes de realeza
E é valida portanto a minha indagação:
És tu na verdade o astro rei da enganação?

A linha da vida

Rafael Massena

A curiosidade mata os homens de vergonha
Eles se esforçam em busca de informações
Desesperam-se. Querem estar no controle

Rompantes de ansiedade são calados
Com tiques muito nervosos
Devido a divisão que separa patentes

Essa linha, que separa o bem e o mal
O santo e o pecador, o bom e o ruim
Alguém há de enxergar

A linha é tênue entre o que se pode
O que é permitido, o que sequer se quer
De um lado eu. Do outro voz

A linha que divide, invisível corda bamba
Entre o preto e o branco existe, pelo menos
Mais cinquenta tons de cinza

Essa linha que cerca acerca dos olhos
Desnudos vitrais de alma e fé
Só existe na imaginação

Uma linha que não se enxerga de olhos abertos
Que não se percebe quando se tenta
Tão frágil que mal se aguenta

Essa linha da vida em algum lugar se ramifica
Em algum lugar ela para
Mas a mão está em constante mudança, assim como a vida.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Antes só que mal acompanhado

Nem me lembro da última vez que acordei assim.
O suor frio pingava as palavras que a boca teimava em calar.
O coração palpitava engasgado toda a amargura daquele lugar
E a medalha por bravura luzia a coragem frente a balas de festim.

Como eram falsas as promessas e premissas daquela história.
Como pôde aquele começo de glória acabar somente em mágoa?
A tristeza era tanta que os olhos se encheram d’água
Ao lembrar da moça que existia apenas na memória.

Qualquer um teria feito o mesmo que aquele pobre moço,
Que não fazia ideia de quão fundo era o poço,
Desprezado pela única que o fizera inteiro.

Mas a razão começava a falar com o coração
Que por mais que quisesse, juntou forças pra dizer não
E se negar ao prazer que antecederia o desespero.

Momentos únicos e singulares

Rafael Massena

Existe no mundo 
Algumas formas perfeitas
Algumas formas perfeitas
E muitas pessoas perfeitas

Algumas são tratadas como deuses
Outras como demônios
Umas como loucas
Outras como gênios

Quase todas que conheci
Mesmo que nos livros
Eram humanas
Poucas não

Existem mulheres perfeitas
Paisagens perfeitas
Ideias perfeitas
Tudo perfeito
Só Deus

Pobres os surfistas
Os mais idealistas
Sempre em busca
Da onda perfeita
Deus