E então, de repente, deparo-me
com a mais linda donzela de minha vil ilusão errante. Vestia flamejante cabelo
rubro, olhos verde-água e um magnífico, bronzeado celeste corpo, coberto apenas
por sutiã e cauda. Olhar e pausa. E em cada canto que olhava, nem uma apenas
testemunha acompanhava seus gestos chamando ninguém além de mim. Era
inacreditável. Caso não fosse sonho, juraria, tão medonho, que fosse realidade.
Nadamos e brincamos juntos.
Sozinhos. Eu, ela e os golfinhos. E enquanto a tarde caía e o sol se punha no
horizonte, aos montes se amontoavam milhões de micro-peixes a perturbar nosso
momento. Sento-me e lhe sento em meu colo. Colo meus braços em sua cintura e
pinto a costura de suas orelhas com água e cuspe.
Mordo as esquinas de seu pescoço,
te aperto os seios, te excito ao pé do ouvido, como suspiro, seguido de beijo-calafrio.
Abro lentamente o zíper de suas nadadeiras, mas suas mãos hesitantes indicam
ainda ser cedo a derradeira – ou talvez que não fosse ali o lugar ideal. Pega
meu braço e sai em disparada. Diz querer me mostrar os lugares mais belos da
costa mineira, a começar pela praia do sonhador.
Em seu sotaque paulista, quase
todas as palavras viravam uma linda melodia. Mas “sonhador” não era uma delas. Sonhadorrrrr.
Solto uma risada tão alta que fez inflar até o baiacu que ali passava. Ela
sacaneia de volta, zoando o meu carioquês cheio de xis. E assim,
zombeteiramente, nadamos até nosso primeiro destino.
Até que era bonita a tal praia do
sonhadorrrr, mas pra quem costuma curtir a Restinga da Marambaia e Grumari não
tinha nada de mais. Ficamos um pouco, andamos de banana boat e fomos embora. Já
estávamos com fome quando ela sugeriu o Siri Cascudo.
Sanduíche com o Bob Esponja.
Topei na hora. Nunca pensei que
fosse conhecer tal bichinho amarelo de voz esganiçada e calças quadradas. Não
via a hora – literalmente. Meu relógio não aguentara a pressão e parara de
funcionar desde antes da praia, lá pelas 16h20. Enfim, chegamos e fomos muito
bem recebidos pelo Bob. Que aprazível sujeito apresentou a ponta e disse que havia
ganhado um trailer no Lata Velha e que estava economizando grana para fazer sua
própria lanchonete. Disse-lhe que deveria chamar Bob’s, mas ele achou o nome
idiota. Perguntei sobre o Patrick e ele disse estar numa clínica de
reabilitação, mas não quis entrar em detalhes. Deve ter sido cocaína. Quase
sempre é.
O encontro foi bacana, mas o
sanduíche deixou a desejar. A carne era muito salgada e o pão ensopado. O que
salvou foi a sobremesa: sorvete de campari com calda de caramelo. Fiquei bêbado
e com vontade de trepar. Perguntei a ela se havia um lugar. E então conheci o
matadouro.
Uma caverna subaquática a uns 900
metros dali. A chave da porta secreta era uma pedra no meio do caminho que
quase me fez tropeçar. Mantive-me ereto e me pus à vontade em seu aposento. Não
havia muita coisa além dos badulaques de qualquer sereia: espelho, pente,
gaita, blush... e uma cama king size com direito a espelho no teto e pole dance.
Aparentemente a minha sereia era safadinha. Transamos muito, durante muitas
horas, até esgotarmos nossas forças.
Após um breve cochilo, ela me
acorda com o sorriso cheio e o estômago vazio. Diz que quer comer um linguado.
Eu acho graça e falo que comerei uma lagosta. Rimos e rumamos ao restaurante,
onde, pra minha surpresa, ela realmente pede o peixe. Como a lagosta era muito
cara, acabo pedindo apenas dois Temakis. Era um restaurante delicioso e ficamos
conversando por horas sobre política, filosofia, teologia. Biologia. Muita
química... saímos apenas por causa da fumaça. É incrível como as pessoas fumam e
falam fumando no fundo do mar.
Que encontro maravilhoso, que
teimosia em persistir maravilhoso por tanto tempo. Começava a me preocupar, achando
que nunca mais iria embora. E se fosse? Como faria para encontrá-la depois? Não
existe facebook no fundo do mar. Era a pessoa mais incrível que eu jamais
conhecera. Dava vontade de abandonar a vida terrestre e morar pra sempre em sua
saleta, com seus pente, espelho, gaita e blush. Completamente absorto por toda
aquela fantasia, decido ficar mais um dia no mar. Deixaria para depois a
decisão sobre o meu futuro. Deixaria por estar o estado que fosse.
Na manhã seguinte uma carta em
seu criado mudo, embaixo da gaita, chama a atenção. Ela tem o meu nome impresso
em tinta vermelha e, no verso do envelope, uma única marca: uma minhoca presa a
um anzol e um pedaço de linha. Que seria isso, eu indago. E, meio sem jeito,
sem querer acordar minha futura ex-namorada, adormecida em meu colo, Alcanço a
correspondência.
O remetente chamava-se Tritão e
aparentemente era meu sogro. Solicitava um encontro para o desjejum. Queria
acertar os detalhes do casamento. Não sei aonde eu estava com as cabeças nessa
hora, mas lembro ter ficado feliz com a carta. Decisões importantes nunca foram
meu forte e o fato de uma decisão dessa magnitude ter sido tomada por mim me
deixava muito feliz e aliviado. Iria me casar com uma sereia. Mas antes
precisaria conhecer seus pais e eu precisava de um banho. Sentia meu corpo
salgado e melado de suor. O mar com certeza fazia muito mal à minha pele.
Quando a minha submersa princesa
acorda, fica sem graça e diz que não existem chuveiros embaixo d’água. Mas que
sua falecida avó tinha um navio e que eu poderia tomar banho lá. Era um cargueiro
europeu, com bandeira espanhola, cheio de contêineres contendo cantis e
carabinas para as tropas brasileiras. O comandante era um sujeito engraçado,
chamado Saulo, que estava sempre chapado pois consumia boa parte do seu
contrabando de drogas que levava do Panamá para o Pará.
Tomo um banho que ela toma
comigo, transamos novamente e morgamos na cabine. Após o descanso, colocamos
uma roupa e saímos. Como estava sem camisas ou calças limpas, acabo vestindo as
vestes de seu último vilão, namoro passageiro daqueles que deixam corpos no
chão.
Na saída da cabine topamos com
ninguém mais, ninguém menos, que Pirlo e Ronaldo ‘fenômeno’. Estavam
conversando sobre opções de ações futuras. Quem iria imaginar. Acabam parando
para falar conosco. Aparentemente Pirlo e Ariel são velhos amigos.
Devoramos sanduíches e então
somos surpreendidos por uma conhecida em comum que fica muito feliz ao nos ver
juntos, ali no deck. Fumava um beque apreciando a vista e acompanhando o solene
cair do sol costurado por um zíper de gaivotas voadoras que em V planavam.
Ofereceu-nos, graças a Jah e, agradecidos, entorpecemo-nos.
Despedimo-nos e mergulhamos. Iria
conhecer o sogro. Não queria, imaginava que não agradaria, ainda mais de olhos
vermelhos. Mas a salina solução do fundo do mar hidratou minhas dilatadas
pupilas cor de fogo. Nadamos, nadamos, nadamos, até que chegamos.
Quase não acreditei quando ao
longe avistei uma enorme festa para a minha recepção. Todos reunidos saudando a
nossa chegada, empolgados com o casório. Decoração top, guloseimas, dançarinas
de hula bailando em uníssono... muitas velas e cigarros acesos. É
impressionante como as pessoas fumam debaixo d’água. Finalmente sou apresentado
ao sogrão, destemido rei dos mares.
Não se parecia nem um pouco com a
personificação de Walt Disney. Muito pelo contrário. Era careca, gordo, baixinho...
mais parecia uma mistura de Buda com Mestre dos Magos. Muito simpático, me
apresentou seus amigos e familiares, entregou-me uma bacia de coco com uma
bebida esquisita dentro, e ordenou que as bailarinas encenassem um número que
haviam feito especialmente para a minha visita. Ofereceu-me um baseado também.
Aparentemente todo mundo fuma nos meus sonhos. Mas dessa vez não aceitei. Não
queria que ele soubesse quem eu realmente era. Meu personagem bom moço era mais
interessante e apropriado para o momento.
Rimos, brincamos, curtimos e ao
final da festa rumamos de volta para nossa cabine no navio da vovó. Estávamos tão
cheios de tesão que transamos até não sabermos mais que dia era. O hoje era
qualquer dia, o ontem não existia e o amanhã pouco importava. E como roncava a
minha sereia. Quem vê não diz, mas eu vi, ouvi e mal acreditei, mas até que era
bonito o seu ronronar. Esses encantos de sereia, que nem canto de baleia, tudo
que era som era lindo também. Adormeci e então acordei. Molhado.