Certa vez achei que a função da palavra era comunicar.
Mais que isso, cada palavra vinha com a missão de se fazer
apaixonar.
Cada verbo tinha um destino, pelo menos na cabeça do menino,
Que era a menina a quem queria conquistar.
Todas as frases eram ouvidas e a resposta era o abraço de
dois argumentos.
Ok. Havia momentos e momentos. Mas em meio às pausas vinham
rajadas.
Turbilhões de ideias embaralhadas se emaranhavam na mente afoita
dos jovens
Enquanto bradavam o desejo de se juntar e criar estórias de
amor.
O “amor” nessa época era um termo onipresente.
Pouco tempo depois a palavra ganhou uma nova patente.
E eram tão veementes os pedidos que o perdão ganhou sentido.
Nenhum erro passava batido e as desculpas eram logo
percebidas,
Sempre precedidas de longos debates acerca das gafes
cometidas.
Nossa! Quantas palavras foram ditas nessa época...
A luz das velas na mesa mal era sentida tal era a
verborragia dos encontros.
O vinho dava passagem ao beijo, que era interrompido pelo
sorriso,
Que dava lugar às declarações de amor.
Eram cheias de calor as interjeições daquelas noites.
Passado esse momento de euforia, achei que era o insulto a função
que ela exercia.
Afinal, as línguas afiadas destilavam diariamente o
descontentamento do casal.
E sem alforria ficavam engasgados os velhos elogios, reféns
da raiva e da impaciência.
Não era demência o problema matinal, mas uma disputa
acirrada pela última palavra.
Quem desferiria o golpe final? Quem traria no peito a marca
tipografada?
Começou a ser muito comum a utilização dos provérbios. Nem
todos sérios,
Mas sempre com a função de calar, sentenciar, satirizar,
alfinetar.
Após algum tempo, tudo já posto em seu devido lugar,
A palavra tirou férias e pôs o silêncio pra comandar.
Era como se aquele casal tivesse regredido e voltado para o
gestual.
O bom dia, a declaração de amor, o elogio, nada disso era
mais natural.
A vida em tons acinzentados começava a se tornar normal
E todas as palavras daquela casa eram as impressas em
jornal.
Tão insustentável ficou a relação
Que um dos dois decidiu terminar a união,
Levando consigo toda a narrativa dos dois.
Só muito tempo depois viria o recado para com palavras se
desculpar:
“Eu te amo, sempre te amei e pra sempre vou te amar”.